Olhando da sacada de minha casa eu consigo ver parte de São
João de Meriti. O que vejo? Um lugar sofrido, de gente simples e pobre,
formigueiro da América Latina. Cerca de 500mil moradores que vivem aglomerados
em um espaço de 35Km2. A cidade com a maior densidade demográfica da
América Latina. Um lugar que experimentou um crescimento populacional
exponencial, mas sem muito organização. Grande parte dos terrenos possuem
diversas casas, em geral familiares que vão se multiplicando e ficando por ali
mesmo por falta de opção.
O que esperar para as
próximas gerações?
Uma grande parte dos adolescentes e jovens não tem a menor
perspectiva do amanhã. Não tem ideia de
que profissão seguir e nem de que curso
técnico ou universitário deverá estudar. A grande maioria sequer pensa em ir
para uma universidade. Grande parte dos pais, amigos ou parentes próximos, não
tem conhecimento suficiente para orientá-los, são operários, pessoas simples,
com uma cosmovisão bastante limitada. Com a migração de muitos bandidos das
favelas onde foram instaladas UPPs para São João e toda a baixada, muitos
destes jovens estão indo para o tráfico.
Onde as igrejas podem
entrar para ajudar?
Oferecendo informações aos jovens e adolescentes, dando a
eles direcionamento para onde ir, como chegar e como buscar. E não apenas a
informação, mas algo mais importante, a MOTIVAÇÃO CORRETA para chegar lá. Tem-se
observado que jovens que tiveram base evangélica em igrejas bem estruturadas se
sobressaíram devido simplesmente a ênfase na leitura, uma melhor postura ética
e desenvolvimento em liderança. É muito pouco, mas já é alguma contribuição. A
Igreja Ministério Apascentar de Nova Iguaçu é um bom exemplo de suporte aos
jovens, há nove anos realiza o ‘Fórum de Oportunidades’. Com a presença de
personalidades do empreendedorismo e de outras áreas do conhecimento. É uma boa
contribuição, porém não consegue alcançar aquela pessoa que é mais simples, por
que aquelas não tem sequer uma base para entender e buscar tais oportunidades.
A igreja detém grande poder e deveria pensar mais nestes
detalhes, embora seus recursos sejam bastante limitados para uma ação direta
mais profunda. Penso em uma ação da igreja forçando ou atuando no Estado ou em
conjunto com este, de tal maneira que este possa olhar para as cidades mais
pobres. Este deveria ser um assunto sério a ser tratado em convenções, ligas,
associações e demais entidades dos diversos conglomerados evangélicos,
católicos e demais religiões. Mas não se observa nestas entidades um desejo de
dar alguma contribuição neste sentido, a não ser pequenos projetos de fachada sem
muita relevância, realizados somente para embelezar a foto e outros isolados
que não tem muita força, relevantes, às vezes, somente para a localidade onde
estão inseridos.
Qual o papel do
Estado e o que se espera dele?
O Estado tem a competência de ação para através de leis e
direcionamento de verbas pensar em melhoria social de base (saúde, segurança, educação e
infra estrutura) e formas de criar oportunidade para estes jovens. Mas não há
um desejo político. Toda vez que alguém fala em justiça social, já se levantam
aqueles outros para dizer que isto é coisa de esquerda, e que querem agigantar
o Estado, e que a política liberal resolve estes problemas todos com a livre
concorrência criando mais empregos e oportunidades. Enquanto isto, os ricos
ficam cada vez mais ricos, e os pobres continuam sendo celeiros de capatazes e
operários. E ninguém dá a mínima para os lugares subdesenvolvidos.
Dentre as camadas mais pobres o percentual de jovens que
entram em uma boa universidade ou que entram em um curso técnico é irrelevante,
o que fará que se perpetue a pobreza nestes lugares. Aqueles que possuem uma mente
privilegiada e foram achados ou aquele que de alguma forma conseguiu sobressair
através da criação de um negócio próprio são muito poucos.
Cosmovisão do vulnerável
Uma das principais razões pelas quais acredito que os jovens da baixada fluminense não
prosperam tem muito a ver com sua cosmovisão. Eles nasceram naquele meio, foram
educados naquele meio, seus amigos são daquele meio, suas conversas são daquele
meio, sua mente é condicionada aquele meio. Ele não tem a visão de como sair
daquela condição. Não tem a motivação para sair. Não tem sequer estrutura
emocional, familiar e social para sair. A partir desta afirmativa, acredito que seja necessário uma intervenção de fora em sua vida, uma vez que não terá capacidade para, sozinho, mudar o seu status quo. Sua visão limitada de mundo impedirá que ele possa procurar e até mesmo lutar por seus direitos.
Talvez alguém possa dizer: eu nasci na baixada e hoje sou
bem sucedido. Ok, eu talvez também não possa reclamar, nascido em uma família
extremamente pobre, eu consegui ter dois cursos superiores, um MBA, um mestrado
e ainda um curso no exterior (USA). Consegui alguma projeção em grandes
empresas, mas decidi pelo Ministério Pastoral. Tenho uma boa casa, um bom carro e uma situação financeira regular. Temos na baixada grandes e
maiores exemplos do que eu. Mas, eu não sou medida para ninguém, e de qualquer
forma, continuo pobre e morador da baixada fluminense, embora um pobre ‘melhorzinho’.
Alguns destes jovens que sobressaíram vieram da classe melhorada da baixada,
tiveram uma família equilibrada, ou tem uma mente privilegiada, ou tiveram uma
baita sorte e hoje é um próspero empresário, um militar de carreira, ou um empregado bem sucedido. Estes casos são tão isolados que
são quase inexistentes em um universo de tamanha pobreza.
A baixada fluminense é um lugar tão esquecido que
ultimamente quase todos os lugares foram taxados como ‘área de risco’. Nem
mesmo os Correios querem fazer entregas por lá, muito embora continuem cobrando
taxa de entrega, ainda que o cliente tenha que dirigir-se ao Centro de
Distribuição para pegar sua encomenda.
Precisamos de ajuda
Tivemos a algum tempo atrás o PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento). São João de Meriti recebeu cerca de 150 milhões em 2009. Neste
tempo pudemos observar muitas obras sendo feitas. Se tivéssemos uma melhor
fiscalização, talvez fossem melhores. O programa recebeu inúmeras criticas, eu
mesmo sou um destes críticos. Porém, a cidade conseguiu realizar algumas obras
de infraestrutura.
Olhando para a minha cidade e para o restante de toda a
baixada fluminense penso que se não tivermos maiores investimentos de estrutura
básica, nunca sairemos de onde estamos e de forma alguma conseguiremos criar
oportunidades para que nossos jovens cheguem a algum lugar. Aos defensores do
liberalismo fica a pergunta, como o liberalismo atuará para que os mais pobres
de nosso país tenham oportunidades de disputar mercado e de se tornarem grandes
empreendedores, militares ou empregados bem sucedidos? Como os adolescentes e jovens poderão deixar a sua condição de
vulnerável para se transformarem em agentes de crescimento para a sua própria cidade?
Falar de justiça social não é coisa de partidarismo, é de
humanidade, e sobretudo de humanidade cristã, mas ao que parece o público
evangélico de classe média voltou a sua visão para si mesmo, tornando-se
totalmente egocêntrica, abraçando o liberalismo e esquecendo totalmente das
pessoas em estado de vulnerabilidade social. Este foi o mesmo erro da nação de
Israel, pelo qual pagou muito caro, sendo levado para o cativeiro Assírio e
Babilônico como bem expressaram o profetismo do Antigo Israel.
Precisamos de ajuda sim, São João de Meriti, Baixada
Fluminense e muitos outros lugares de nosso querido Brasil precisam que sejam
vistos, pensados, e ajudados a saírem da terrível condição que se encontram.
Sem o apoio dos mais favorecidos e/ou do Estado, sem leis justas que contemplem o desfavorecido, jamais sairemos da condição de
penúria que nos encontramos. Jamais seremos um lugar de oportunidades mais
justas. Jamais sonharemos que nossos jovens terão, no futuro, alguma
representatividade ou alguma parcela de contribuição para fazer de nosso lugar,
um lugar mais justo para a próxima geração.
Não sou inocente para acreditar que uma boa condição social irá mudar o caráter das pessoas, se fosse assim, nossos políticos seriam homens de caráter, mas uma grande parte são bandidos, alguns deles sem nenhum escrúpulo, que roubam até dinheiro de merenda, aposentados e doentes. Mas, apesar de não mudar o caráter, irá oferecer uma dignidade. Quem sabe se com a dignidade não começamos a gerar uma nova mentalidade de justiça social em nossa nação.
Artigo excelente! Vislumbra o todo levando em consideração as partes e suas inter-relações. Chama a atenção para uma resolução que vá além da administração local e dos limites geográficos da cidade. Parece utópico, mas concordo que seja o início para qualquer solução. É lastimável que tenhamos uma sociedade que parece não ter a mínima intenção de se organizar e instituições que não estimulam tal pensamento das quais, em minha humilde opinião, a Igreja de Cristo deveria destacar-se em vanguarda por sua natureza salvífica e libertária.
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