Êxodo 20.14
"Não adulterarás!" Este mandamento ainda está valendo? Este texto é convite a uma reflexão contemporânea de um assunto bastante antigo. Adultério não é algo novo. Existe desde que o mundo é mundo. Como podemos entendê-lo nos dias atuais?
A Lei mosaica foi estabelecida há
mais de três mil anos atrás. Trata-se de um documento hebreu que se transformou
em patrimônio da humanidade. A história do povo hebreu, narrada no Antigo
Testamento, se constitui em base do cristianismo. Jesus nasceu e se criou no
judaísmo. Ele faz citações de várias passagens antigas contidas no Antigo
Testamento. Através das mensagens e princípios estabelecidos por Jesus, nasceu
o cristianismo. Em Cristo Jesus foi estabelecida a graça. Paulo afirma: “Porque
pela graça sois salvos, por intermédio da fé” (Efésios 2.8). A pergunta que
muitos se fazem é: devemos continuar obedecendo aos mandamentos ou isto faz
parte da Antiga Aliança e por isto deve ser rejeitado? Se a Antiga Aliança não está
mais em vigor, podemos então desobedecer ao sétimo mandamento? Vamos tentar responder
a esta pergunta.
O decálogo são as dez leis
estabelecidas por Moisés no deserto. As leis que Deus estabeleceu para o povo
hebreu na antiguidade. O povo hebreu havia acabado de sair do Egito, após 430
anos de gestação. Deus utilizou o Egito como um útero para gestar o embrião
hebreu. Eles caminharam como nômades pelo deserto durante cerca de 40 anos.
Ainda viviam em uma sociedade tribal, não estavam consolidados em Estado
monárquico, isto iria ocorrer bem mais tarde, quando conseguem entrar na terra
prometida.
A fé em Javé ainda não estava
consolidada, os princípios e valores sobre os quais eles viviam se confundiam
com os do Egito. Deus estava se revelando à humanidade através da formação
deste povo. Não havia uma Bíblia, nem tão pouco cultos em uma Igreja ou uma
EBD. O que eles aprendiam era ensinado pelos anciões e pelos pais. Ainda não
havia uma cultura religiosa fundamentada. O Deus que eles acreditavam era o dos
patriarcas, Abrão, Isaque e Jacó.
Deus primeiramente se revela a
Moises
Através da teofania na sarça ardente, Deus começa a revelar-se a Moises. Mostrando para algo novo que ele não conhecia. Este é o momento onde Moises tem uma experiência com Deus. Este é o momento que Moises começa a conhecer a Deus verdadeiramente. Moises não tinha ideia de quem era Deus, e nem o seu povo, a não ser por histórias que os anciões contavam.
Deus levantou a Moises e Arão,
para através deles o povo fosse conduzido para Canaã. Deus não apenas queria
formar um povo em uma nova terra, Deus queria um povo diferenciado, como novos
costumes e com uma adoração direcionada para Ele.
Chega em um ponto em meio ao
deserto que Deus leva Moises ao Monte Sinai (Horebe) e revela a ele os dez
mandamentos, que se tornou a base legal de praticamente toda a lei judaica. O
decálogo foi como a Constituição daquele povo que estava sendo formado. A
partir então desta Constituição foram estabelecidas várias outras leis que
estão descritas no livro dos Levíticos.
A Lei de Moises foi para o Antigo
Testamento
Para entendermos não apenas o
decálogo, como o todas as leis descritas no Antigo Testamento, é fundamental
estudar as cartas de Paulo, principalmente a de Romanos e Gálatas. É impossível
um entendimento claro das leis veterotestamentárias sem este conhecimento
prévio.
Um dos principais textos para
esta compreensão é Galatas 3.23-25. Paulo afirma que estávamos sob a tutela da
lei. A lei serviu como aio para nos conduzir a Cristo, um tipo de pedagogo para
nos instruir, mas, uma vez em Cristo, já não estamos mais subordinados ao aio.
Outra chave para entender o
decálogo nos dias de hoje é a discussão de Paulo com os judaizantes, que
queriam obrigar aos gentios a circuncidar-se em obediência a Lei de Moises. A
resposta de Paulo é o capítulo 5.1-4 de Gálatas. O verso 5.2 Paulo disse que se
eles se deixassem circuncidar-se, Cristo não serviria para nada.
O sétimo mandamento e o tempo
presente
Como compreender então todo o
decálogo e hoje essencialmente o sétimo mandamento. Para sintetizar, eu compreendo
que na lei as pessoas seguiam apenas a formalidade, na aparência que tanto foi
criticada por Jesus como sendo hipocrisia. Eles falavam uma coisa, mas, faziam
outra.
Eu penso que a graça é muito mais
profunda e amadurecida que a lei. A graça não se constitui em um punhado de
regras que devemos obedecer, mas, ela parte de uma profunda experiência de
transformação, a partir de um arrependimento sincero e uma obediência a Cristo.
Colossences 2.20-23 Paulo nos fala claramente a respeito disto. Na graça não
deveria haver espaço para este debate sobre ‘pode ou não pode’, uma vez que,
teoricamente, já teríamos morrido para o mundo e ressuscitados em Jesus.
O sétimo mandamento, que estamos
estudando diz literalmente: “Não adulterarás”. Adulterar era literalmente tocar
em uma mulher que não fosse a sua. A coisa era tão séria que adúlteros teriam
que ser mortos (Levítico 20.10). É um princípio de claro entendimento. Tocou em
outra mulher ou homem, morre. Isto acabou então com a graça. O apedrejamento
acabou sim, mas, o entendimento tornou-se ainda mais profundo.
Entendendo a graça
Na graça Jesus disse que se olharmos
para uma mulher com intenções impuras, isto já se constitui em adultério (Mt
5.27-28). Na graça se torna adultério não apenas que tocam outra mulher, mas
também os que planejam tocar, pensam em tocar. O que nos leva ao chamado
relacionamentos cibernéticos. Há pessoas mantendo relacionamentos secretos na
internet e acha que está tudo certo, porque não tocou na pessoa. Talvez na lei
houvesse espaço para esta atividade, porque a lei era concreta, tinha que haver
o toque, se não houvesse, não era adultério. Porém, na graça o flerte já é
adultério.
A pergunta que devemos fazer é se
devemos obedecer á lei de Moisés ou não. Não dá para responder a esta pergunta
com um simples ‘sim ou não’. É preciso compreender bem o assunto para não fazer
um recorte errado e danoso. Nós não somos judeus, somos cristãos. Isto quer
dizer então que devemos fazer tudo contrário à lei mosaica, nos entregar abertamente
a uma licenciosidade? Paulo responde categoricamente a este questionamento: “de
modo nenhum” (Romanos 6.1-2). A graça não quer dizer que a
promiscuidade está liberada, pelo contrário, a graça nos aperta muito mais. A
graça é um convite à santidade e não uma liberação geral. Vajamos em Romanos
2.2 o que Paulo diz sobre uma vida promíscua. João 3.9 é ainda mais contundente
ao afirmar “aquele que pratica pecado é do diabo”.
Para estudar a graça, precisamos
rever a doutrina da Hamartiologia, ou seja, doutrina que estuda o pecado. Para
nós, gentios, neotestamentários, que vivemos na graça, pecado não é apenas uma desobediência
à lei judaica, veterotestamentária, mas, uma negação à graça de Jesus. A antiga
lei, na primeira aliança, havia um espaço para viver superficialmente a
religião, por isto era imperfeita. A graça é perfeita, não há espaço para a
hipocrisia. E foi isto que Jesus tanto combateu entre os fariseus.
Aconselho uma leitura dos debates
de Jesus com os fariseus, narrados nos evangelhos e sobretudo as Cartas de
Paulo, principalmente Gálatas e Romanos, para uma melhor compreensão desta
discussão temática sobre a lei e a graça, que foi amplamente abordada em
praticamente todo o Novo Testamento.