"E disse: Um certo
homem tinha dois filhos". (Lucas 15:11)
Gostaria
de iniciar este texto com a afirmação de que não sou LIBERAL e muito menos
FUNDAMENTALISTA. Penso que ambos estão completamente fora dos propósitos divinos.
Como frequentemente sou abordado sobre o assunto, penso que deveria
compartilhar um pouco de minha linha teológica utilizando um texto que gosto
muito e que expõe de maneira clara o que Jesus pensava a respeito do assunto.
O
texto de Lucas 15 a partir do verso 11, é conhecido como A Parábola do Filho
Pródigo. Entretanto Jesus começa sua fala dizendo que haviam dois filhos, logo
são duas estórias, dois posicionamentos e duas abordagens. Se olharmos esta parábola apenas
pela ótica do irmão mais novo acharemos que Jesus estava pregando apenas para
os pecadores, mas se partirmos do princípio de que haviam dois
irmãos na parábola, então veremos que Jesus também tinha a intenção de atingir ao
grupo de escribas e fariseus que também estavam ouvindo sua mensagem. Isto nos
coloca diante do antagonismo entre o irmão mais velho e o mais novo; entre o
moralismo e a libertinagem; entre o fundamentalismo e o liberalismo.
Os
versos 1 e 2 mostram claramente que haviam dois grupos para quem Jesus estava
pregando. Os pecadores e os religiosos. "E Chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles". (Lucas 15:1-2).Os religiosos aparecem murmurando por
que Jesus estava comendo com os publicanos e pecadores. Na visão deles, se
Jesus era um rabino não deveria se misturar com aquele tipo de gente. Jesus
então conta a parábola onde o irmão mais novo é apresentado como um libertino que
gastou toda a fortuna do pai. Fica claro que o seu posicionamento estava
errado. Mas ele se arrepende e volta
para a casa do pai e o pai o aceita. O irmão mais velho é um filho dedicado à casa, mas ao ouvir que havia uma
festa para seu irmão mais novo fica frustrado e não aceita de forma alguma a decisão do Pai. Jesus ensina com a parábola que tanto o posicionamento
do irmão libertino quanto o do irmão moralista estão errados. O libertino
precisava converter-se e deixar a libertinagem e o moralista deveria da mesma
maneira converter-se e abandonar o legalismo moralista. O irmão mais velho
deveria ter compaixão de seu irmão mais novo e recebê-lo juntamente com o seu
pai. Escribas e fariseus deveriam
aceitar os publicanos e pecadores e ajudá-los a voltar para a casa do Pai. Mas
eles os rejeitam e esta a acusação de Jesus para eles na parábola.
Fundamentalismo
e liberalismo são dois posicionamentos antagônicos, porém oriundos da mesma raiz, o
pensamento cristão. Dois filhos com pensamentos diferentes, mas gerados pelo
mesmo pai, o cristianismo. Duas formas teológicas de abordagem do mesmo assunto, porém com posicionamentos distintos.
Tenho
tentado me achar no meio destas duas abordagens antagônicas. Assistindo a um
programa onde Leonardo Boff estava sendo
entrevistado, me veio um direcionamento. Foi perguntado a ele sobre política e
ele fez uma leitura sensacional sobre o PT. Segundo ele, o PT dialogou muito
bem com as categorias de base, conversou com os pobres. Fez uma boa política de base. Entretanto umas vinte ou trinta pessoas
que ocupam altos cargos deveriam ser expulsas do partido por que seu
procedimento não condiz com a ideologia partidária. Disse isto e complementou - não sou petista, não tenho partido político, sou um intelectual e penso que
todo intelectual deve estar livre para poder se pronunciar sobre tudo.
A
partir do pronunciamento de Boff me veio a pergunta: por que tenho que ser
fundamentalista ou liberal? As pessoas ao nosso redor querem a todo custo nos
rotular de alguma coisa:
tradicional, pentecostal, fundamentalista, liberal, neo-liberal... Mas, como
pensador de teologia preciso ser livre para ler, pesquisar e analisar todo
material sério produzido. O interesse da pesquisa é buscar o conhecimento,
tentando ao máximo se manter isento de uma posição partidária.
Claro
que não se pode ficar em cima do muro a respeito de questões fundamentais, é
preciso um posicionamento a respeito dos temas importantes da existência e da religião. Mas,
quem disse que há de se concordar com tudo que há no sistema onde você
encontrou uma das respostas para uma das suas questões. Por que preciso escolher um
único sistema teológico e achar que ele está completamente correto? Ao se divinizar
um sistema teológico corre-se o risco de idolatria ou fanatismo.
A
parte que me toca do fundamentalismo e que não abro mão e que é a minha base,
meu alicerce, meu fundamento, meu princípio inegociável é que a
salvação vem exclusivamente por intermédio de Jesus, o filho de Deus, e que a
Bíblia é Revelação de Deus para que o homem venha a conhecer esta tão grande
salvação. A parte liberal que aceito é a vivência do Ágape, o olhar para o
outro como pessoa e não como coisa, e o desapego supremo das estruturas
religiosas como se elas fossem Deus. A liberdade de pesquisa e a crítica do
pensamento teológico histórico também é uma grande contribuição liberal.
Ed
Rene Kivitz em seu sermão 'Qual é a vantagem', pregado ho Haggai 2014, pergunta (parafresando): "a qual tradição cristã você
diz que segue, quando afirma que segue a sã doutrina? O apóstolo Paulo quando
escreveu suas cartas desconhecia completamente toda e qualquer doutrina que foi
formulada após ele". Creio que esta frase do Ed é para se pensar e
refletir bastante. A bíblia é para mim a única regra de fé e prática ou são as
doutrinas que foram formuladas a partir de uma interpretação? Haveria hoje um sistema teológico ou doutrinário, a prova de falhas, que seria a expressão fiel do que Jesus ensinou? Se concordarmos com isto, então estaremos repetindo a infalibilidade papal.
Quando
olho para o fundamentalismo teológico, vejo uma preocupação enorme em se manter
a sã doutrina, a instituição e seus dogmas. Entretanto, a que custo? cria-se um
dogma em determinado momento histórico, baseado nas crenças e verdades da
cultura e época, e depois se diviniza este dogma e ele se torna imutável. Um
complemento da Bíblia. Uma interpretação fiel ao texto sagrado. O problema é
que com o tempo surgem novas descobertas, novas pesquisas, novas informações que o derrubam e ele se torna insustentável. Para que não haja discussões e fechar o assunto sobre
ele é preciso colocá-lo como mistério indiscutível que deve ser somente aceito
sem restrições. Portanto, um dogma.
Na parábola contada por Jesus percebe-se que era muito mais fácil o irmão mais novo ceder
e ir até o irmão mais velho, do que o irmão mais velho aceitar qualquer coisa
advinda do irmão mais novo. É muito mais fácil um liberal abrir para dialogar
com um fundamentalista do que o inverso. Por que o segundo está fechado para
qualquer possibilidade de diálogo. Óbvio que isto não faz do liberalismo a
melhor forma de se fazer teologia, mas a abertura do diálogo mostra que talvez
ele possa vir a converter-se, como acontece com o irmão mais novo. Por que a "fé vem pelo ouvir" (Rm 10.17). Portanto se os ouvidos estiverem fechados e a boca aberta, não se poderá ouvir nada.
Como
poderia os dois irmãos dialogar se ambos são completamente antagônicos entre sí? Será que são? Não é verdade. Tanto um quanto o outro queriam a casa do Pai. Então temos
um ponto em comum. A forma que queriam é que era o problema. Um queria
fazer da forma libertina, achando que poderia fazer de tudo e que tudo era
permitido. A busca pelo prazer, o hedonismo, a completa ausência de senso de
moral seria para ele algo normal. Entretanto, sua estória mostra que este caminho leva a
destruição pessoal e não à realização. O outro queria a casa do pai, mas se
recusava a aceitar a vontade do pai em aceitar o seu irmão. Achou inadmissível que o pai fizesse uma festa para aquele filho ingrato. Não quis entrar na casa e participar da festa. Não se prontificou a ajudar e aceitar ao seu irmão. Mas o fato é que ambos eram filhos e tinham direito na herança. O pai não recusa nem o filho libertino nem o moralista, mas chama os dois a um reposicionamento.
Os
escribas e fariseus tinham uma grande preocupação com a instituição religiosa.
O Fundamentalismo erra pensando na proteção da instituição. No fundamentalismo
a preocupação última é a instituição e seus dogmas. A preocupação com as
pessoas vem em segundo ou terceiro plano, quando há. E quando isto acontece, a preocupação
é sempre trazer a pessoa para dentro do seu círculo dogmático, a preocupação é
sempre proselitista voltada para a instituição, nunca para o ser humano. A ideia é sempre de missão. De realizar uma tarefa. Salvar almas, sem preocupar-se com o ser humano. Quase não há a preocupação real com gente. A evidência do ágape é rara. A alteridade não se vê, a não ser entre os pares. Por
isto suas atitudes são sempre radicais e cruéis com aquele a quem é considerado como oponente. Contra quem não está dentro do círculo dogmático. Por isto a ala radical do Islamismo mata. Obvio que a preocupação com
a instituição deve haver sempre para que ela não morra ou seja desmontada, entretanto, deve ser moderada e há de se pesar sempre a que custo.
Os
pecadores e publicanos não se preocupavam em nada com a instituição.
O pensamento liberal é que a igreja é retrograda e ultrapassada. Desta forma o
liberalismo erra ao se desfazer da instituição, mas o faz tendo como
preocupação última o ser humano. Isto ficou bem evidenciado na Teologia da Libertação que demonstrou uma forte preocupação com a assistência e
aceitação do outro. Entretanto sua banalização da Bíblia acabou conduzindo a uma certa
libertinagem existencial e relaxamento moral. No liberalismo a preocupação com o indivíduo precede à
instituição. A instituição só existe para atender ao indivíduo.
Alguém
pensou que se conseguíssemos colocar os dois irmãos para conversarem e tentar
achar o melhor que os dois tem, talvez o posicionamento de um seria a chave
para complementar o outro. Tentativas assim foram feitas, mas, daí nasceu o
terceiro filho o neo-liberalismo. Um dos maiores pensadores nesta linha talvez tenha sido Karl Barth. Que na verdade criou outra coisa, e
não apenas a conversa entre os dois filhos, é mais um irmão que foi rejeitado pelos outros dois anteriores a ele.
Pr.
Sergio Rosa.
(TEXTO
EM CONSTRUÇÃO - DEIXE SUA CONTRIBUIÇÃO E CRÍTICA)